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16 de junho de 2012

O escritor está em casa

"ENTRE ASPAS"


Gay Talese

Gay Talese
"O método de acompanhar com atenção, ouvir com paciência e descrever cenas que permitem vislumbrar o caráter e a personalidade de um indivíduo – um método que há uma geração foi chamado de New Journalism – foi, em sua melhor expressão, reforçado pelos princípios do velho jornalismo de incansável trabalho de campo e fidelidade à verdade e precisão dos fatos. Por mais demorada e dispendiosa que tenha sido, foi essa pesquisa que distinguiu meu trabalho sobre Sinatra e dezenas de outros artigos de revistas que publiquei durante a década de 1960 – e havia outros escritores na mesma época que estavam fazendo pesquisas ainda mais extensas do que as minhas, principalmente na New Yorker, uma das poucas publicações que podiam se dar ao luxo (e ainda hoje se dispõe a isso) de bancar o alto custo de mandar escritores fazerem pesquisa de campo, permitindo lhes que levem o tempo que julguem necessário para escrever com profundidade e argúcia sobre pessoas e lugares. Entre os escritores de minha geração na New Yorker que encarnam esse trabalho de dedicação ao trabalho de campo estão Calvin Trillin e Jhon McPhee; e o exemplo mais recente na Esquire foi a matéria sobre o ex-astro de beisebol Ted Williams, escrita por Richard Bem Cramer, um trabalhador de campo à moda antiga, de 36 anos de idade, cuja fina capacidade de ouvir com certeza não foi embotada ou corrompida pelo ouvido plástico de um gravador.

Mas esses exemplos em revistas ficam cada vez mais raros nas décadas de 1980 e 1990, sobretudo entre outros os free-lancers. Os melhores escritores de não ficção de hoje em dia – os que não estão ligados a instituições com saúde financeira como a New Yorker – ou tem as despesas pagas pela indústria do livro (e publicam trechos dos livros em revistas), ou são escritores de best-sellers que podem se dar ao luxo de fazer um artigo de revista bem pesquisado, quando têm interesse especial no assunto, ou então escritores cuja principal fonte de renda são os salários de professor universitário e verbas de fundações. E o que esse último grupo de escritores vem publicando atualmente, sobretudo em periódicos literários de remuneração modesta, são trabalhos que dizem mais sobre si mesmos do que sobre outras pessoas. São matérias opinativas de conteúdo intelectual ou cultural, ou artigos eminentemente reflexivos e pessoais, que não dependem de despesas com viagens nem exigem muito tempo de elaboração. São trabalhos que o escritor garimpa em suas próprias lembranças. Elas estão próximas do seu coração e de onde ele mora. A estrada se tornou muito cara. O escritor está em casa".

Apêndice do livro Fama e anonimato

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