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23 de agosto de 2012

Só um garoto

CRÔNICA Por André de Castro 


Acabo de ler “Só garotos”, de Patti Smith. Um livro regado de trechos que quase arranca dos olhos lágrimas e faz o coração, por pouco, sair boca fora. A história de Patti Smith e Robert Malpplethope é uma história de amor, superação e felicidade, mas também de muito sofrimento e tragédia. E por que não terminar uma história em morte? Se é assim que a vida acaba. A morte faz parte da vida, a partir do momento em que se nasce, o que se faz todos os dias é morrer um dia de cada vez. E por isso me identifiquei tanto com o livro. No inicio Patti começa falando de vida, mais precisamente do inicio da sua, ao narrar trechos dos tempos de quando era criança.

Com as lembranças de Patti acabei remetido às minhas. Me perdi por completo, voltei no tempo junto com a autora. Sabe quando está lendo um livro e já se foram duas ou três páginas sem saber o que acabou de ler? Foi exatamente o que aconteceu. E depois essas lembranças me fizeram olhar pra trás e perceber que às vezes é melhor olhar pra trás e analisar o que já foi vivido do que planejar o futuro. Uma das lmbranças descrevo a seguir:

O Natal se aproximava, e com ele o frio que sempre odiei. O frio sempre me deixa angustiado, desperta em mim um sentimento de tristeza, isso ocorre até hoje. Por vezes tenho vontade de me mudar para o sul do país pra viver na melancolia, pelo menos quando estou triste sou menos irracional. Durante o frio costumo refletir mais sobre a vida, sobre as coisas que faço dela. Talvez seja por isso que a maioria de minhas lembranças sempre ocorrem nas temporadas de frio. Mas quando penso que todos os dias do ano terei que conviver com o frio, prefiro viver na irracionalidade parcial. E assim como não gosto do frio, também não gosto do Natal.

Nossa família não tinha uma árvore grande e bonita como a das outras famílias, os presentes que ganhava não eram bons igual ao dos meus amigos. Minha família não era tão grande feito a dos meus amigos. Nossa mesa não era tão farta quanto a dos meus amigos. Nossa festa não era igual a dos meus amigos e não entendia o motivo, mas de uma coisa eu sabia: não tinha motivos para gostar do Natal. E vai entender cabeça de menino, nas vésperas daquele natal eu estava feliz. Isso por que jogava um Mini game, era um dia de chuva mas estava feliz. O Brinquedo, não tão bom como o dos meus amigos, foi comprado por minha mãe em uma loja de coisas do Paraguai, montada de improviso em uma casa próximo à Praça da Matriz, na pequena Lagoa Formosa, cidade do interior de Minas Gerais.

A velha casa que existia bem antes do meu nascimento ainda continua lá, parece que bem sólida. A senhora que nos vendeu o aparelho ainda continua viva, muito velha, não tão sólida quanto a casa, mas viva. A loja não existe mais, o Mini game também não. Como é bom relembrar os tempos de criança, parece que foi ontem: meu irmão querendo brincar comigo na sala e eu nem bola dava, só queria saber do meu brinquedo eletrônico, parecia uma criança de nossos tempos, que troca os amigos pelo computador. Ficava eu, trancado no quarto da pequena casa construída de pedras de muro e telha brasilit. Uma casa muito simples que em período de frio fazia eu me sentir no Alasca, no período de calor me fazia sentir no Egito.

Não tínhamos muito dinheiro, pra ser sincero, não tínhamos dinheiro algum. Mas criança não entende, quando quer, não para de chorar até conseguir. A velha, sensibilizada com meu pranto incessante, fez minha vontade e mesmo sem ter muita intimidade com minha mãe deu a ela a oportunidade de pagar o equipamento a prestações. Tenho minhas dúvidas se a dívida não foi esquecida por ambas. De uma coisa eu sei, eu esqueci, só queria saber de jogar.

O Natal não foi tão diferente dos outros, mas foi o melhor da minha infância. Os Deuses foram generosos comigo, mas tudo que os Deuses dão, tiram rapidamente. A mesa continuava humilde, a arvore era pequena, o frio continuava chato, mas pelo menos eu tinha um Mini game, que logo os Deuses se encarregaram de fazer com que eu perdesse.

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