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26 de setembro de 2012

Certo seria se tua poesia pro túmulo tivesse ido contigo

André de Castro - Texto e ilustração 



"Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem"

Ontem, ao ler na revista piauí o perfil de um ex-bibliotecário chamado Edson Nery, um dos mais importantes desse país, me deparei com um trecho onde o entrevistado recitava a poesia "bicho" de Manoel Bandeira. Quando Bandeira a escreveu era uma poesia atual. Em meus tempos de colégio, não tem tanto tempo, ela também era uma poesia atual. Vejam que coincidência. Curioso o fato de que nos dias de hoje continua a ser uma poesia atual; afinal homens ainda continuam a devorar comida entre os detritos.

Queria eu que esta poesia nunca tivesse existido. Nada contra Manoel Bandeira, grande Bandeira, as divindades que o guarde. O poeta é um tipo de ser que se incomoda com os fatos que a muitos passam despercebidos.  Tem a sensibilidade de ver a relevância e o sofrimento nos mínimos detalhes. E já que suas armas são o papel e a caneta, o fato se transforma em poesia. 

E se o fato existia, o poeta tentou alertar o mundo por meio de suas armas. Certo seria se após as observações do autor a poesia não fizesse mais sentido. Perdesse seu valor, fosse pro túmulo junto com ele quando morreu.

Mas não, o homem não soube interpretar o poeta. A poesia continua a cada dia mais atual e temo que atual ela nunca deixe de ser.

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