As pesquisas de Jared, o caçador, para provar que os gambás são legais
por Bruno Moreschi

Carlos Jared evita começar qualquer conversa sobre o animal sem antes subir no banquinho e puxar da mais alta das estantes uma pasta vermelha com o título “Gambás – Variados”. Com doutorado em morfologia pela Universidade Federal de São Paulo e pós-doutorado em biologia integrativa pela Universidade de São Paulo, ele sabe que são necessárias provas documentais para desmistificar quase tudo que se julga saber sobre o Didelphis.
É preciso, pois, esquecer o desenho animadoPepe, Le Gambá − o rabo vistoso e a listra branca são típicos dos primos norte-americanos. O gambá que vive no Brasil tem características que, definitivamente, destoam da espécie. Para começar, ele não solta um cheiro tão pestilento como os de outras regiões. Jared jura que o odor dos nossos se assemelha a perfume francês. Acreditemos.
Na aparência física, no entanto, o brasileirinho deixa a desejar. Parece uma ratazana tamanho GG. Quando se sente ameaçado, faz uma careta sinistra, arrepia os pelos e escancara a boca para mostrar os caninos afiados. Tanto esforço o faz ficar a meio caminho entre o horrendo e o ridículo. Jared esclarece que as aparências enganam. Apesar da cara de mau, o gambá é um bichinho pacífico. Até se finge de morto para não entrar numa briga.
Há cerca de quinze anos, ao estudar o mecanismo pelo qual certas cobras liberam o odor que atrai o macho, uma pergunta esquisita se impôs ao espírito de Jared: “Como um gambá reagiria ao ataque de uma cobra?” Ele tinha a suspeita de que o vencedor da disputa poderia ser o Didelphis.
Como a pergunta e a suspeita não saíram do seu espírito, para respondê-la o zoólogo convenceu alguns colegas a caçar gambás pela cidade. Construiu arapucas de metal e, como isca, usou um prato que misturava bacon, aveia e banana. Como último ingrediente, o toque de mestre, usou a fragrância que atrairia irresistivelmente os gambás: a pasta de amendoim da marca Amendocrem.
Jared pegou Didelphis aos baldes. Com um bom plantel, e anos de pesquisa, comprovou sua hipótese: o nosso gambá é, sim, um predador natural das serpentes viperídeas, as cobras venenosas. O Didelphis, com seu jeitão boa-praça, não está nem aí para a peçonha das cobras. Em poucos segundos, começa a engolir sem cerimônia um dos perigos mais temidos das nossas matas. A refeição pode até picar o gambá, que, importunado com o beliscão, tasca-lhe uma bela dentada na cabeça.
Mas quando o embate é com a cascavel do cerrado, região que não abriga gambás, a cena quase se inverte. Com dez picadas da cobra, o faminto gambá perde o apetite, sente a pressão baixar e se afasta para o, digamos, canto do ringue. Não leva a refeição, mas consegue um empate ao se manter vivo. “Temos o vídeo aqui no Butantan para quem quiser ver”, disse Jared, com entusiasmo contagiante. “É fascinante a esperteza desses bichinhos.”
Com o fim dos experimentos, e com os papers redigidos, Jared ficou por muito tempo achando que jamais voltaria a caçar gambás. Sem êxito, algumas senhoras até tentavam convencê-lo a capturar os que teimavam em urinar no forro de suas casas. Até que um dever cívico o convenceu a voltar às lides.
Foi em 2005, quando a direção da Elektro – companhia de energia elétrica que abastece mais de 200 cidades de São Paulo e cinco do Mato Grosso do Sul – saiu à cata de zoólogos. O objetivo era discutir maneiras de enfrentar os gambás que, inquietos, invadiam estações elétricas e provocavam apagões. Em pouco tempo, chegaram ao nome de Carlos Jared e, em prol do bem da coletividade, ele topou voltar a estudar o animal.
A caçada foi feita praticamente da mesma maneira que a anterior. Com a diferença que, dessa vez, usou-se um aparelho GPS para determinar o local exato da mata em que o bicho deveria ser devolvido após os experimentos. Com os gambás capturados, construiu-se um simulacro de estação elétrica no Instituto Butantan. E, durante um ano e meio, ocorreu ali um verdadeiro reality show: os animais foram vigiados 24 horas por dia por seis câmeras.
No início de julho, Jared estudou os dados recolhidos e concluiu que uma reles chapa metálica, curvada a 45 graus e instalada nas extremidades das grades, impedia a invasão de gambás nas estações elétricas. Com expressão pensativa, conclui: “Isso mostrou como anos de pesquisas provam, muitas vezes, que a solução das coisas é mais simples do que imaginamos.”
Desde a soltura dos gambás, Jared voltou aos sapos. Trabalha com centenas deles. Mas tem saudade dos bichinhos. Torce para que surja a oportunidade de fazer uma pesquisa sobre eles realmente profunda, de longo alcance. Algo capaz de melhorar definitivamente a imagem e a fama dos gambás nacionais. J
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