Menú

23 de novembro de 2012

A criança está assustada


Por André de Castro

prometo ser falso até o dia em que puder me deitar de sapatos e não mais abrir os olhos.


Eu vejo pobres dormindo na calçada
putas exalando perfume barato
palhaços chorando

eu acredito no amor 

essa coisa maluca chamada vida
o encontro dos desiguais
onde tudo é selvagem, suculento
onde tudo é normal
e de mentira

e esses gemidos
essas palavras impuras
esses tapas
são apenas os gemidos do quarto ao lado

tudo escarnece
o suor
o pudor
a lágrima que escorre
e se mistura aos soluços

e esses hospitais
asilos
prisões
políticos
polícia
pra que serve tudo isso?

e por onde anda aquele que irá nos salvar?

no lugar dele vem ela
a senhorita fome
sorrindo à porta
entrando sem pedir licença
cantando aos surdos
encenando aos cegos
ouvindo os mudos
com sua foice
e sua cara de morte
degolando os malditos
a fome
novamente pelas entranhas

e a boca
que de tão escancarada
não diz uma só palavra
só quer cigarro cereja cerveja

essa coisa chamada vida
não passa de um banquete etílico
onde os vermes fazem festa
e torcem para que tu morras
e o teu fétido corpo lhes sirva de jantar
 como podem seres tão ordinários fazerem festa todos os dias?
como podem rezar para que outros morram e assim não lhe faltem o que comer?

Pois bem, meu caro senhor
a criança está assustada
como um miserável sem casa
em um domingo de sol
na areia
com os pés molhados
ferrado pela maldita abstinência

a criança está assustada
pois descobriu que não mais conseguirá mudar o mundo

Nenhum comentário:

Postar um comentário