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23 de abril de 2010

50 anos de Brasília: fórmula para crônicas sobre “o que é ser brasiliense” nasceu de brincadeira


Sob títulos como “Ser brasiliense é”, “O que é ser de Brasília” ou  “Modos de Ser brasiliense” circulam na Internet textos muito assemelhados no seu formato. Com sentenças curtas, todos procuram responder a uma questão que permeia as discussões sobre os 50 anos de Brasília: o que é ser brasiliense? Existe o verdadeiro candango da gema? O que realmente caracteriza um morador de Brasília?

Publicado em 2001 e relançado em 2010, o livro Brasília Kubitschek de Oliveira, de Ronaldo Costa Couto, aponta 16 características do brasiliense. Conhecida repórter e cronista do jornal Correio Braziliense, a jornalista Conceição Freitas gosta desse gênero de texto para discutir a identidade. Já publicou, desde 2004, três listas contendo características do brasiliense.

Listas - A primeira foi publicada em 8 de agosto de 2004, no próprio jornal. As demais, no Blog da Conceição, sendo que a primeira, de 10 de julho de 2008, é explicitamente adaptada do livro de Costa Couto, e a outra, de 30 de maio de 2009, elaborada com a participação dos leitores Ana Soares, Letícia Monteiro, Ana Cristina Morais, Raimundo Nonato da Silva e Salvador Pereira, retoma parcialmente a lista de 2004.
  
A primeira lista de Conceição Freitas continha 37 itens; a segunda, 11; a terceira, 22. Antes da lista de Conceição, um outro texto com 41 itens foi publicado em 21 de janeiro de 2004 (ver links abaixo). Todavia, as várias das listas que circulam por aí parecem mesmo derivar da primeira, veiculada no livro de Ronaldo Costa Couto.

Da gema - De acordo com informações contidas no livro de Ronaldo, no final de 2000, as estudantes universitárias e irmãs Marcela Mihessem e Monique Mihessem fizeram uma pesquisa com jovens do Plano Piloto, Lago Sul e Lago Norte sobre as características dos “brasilienses da gema”.

Monique Mihessem nem se lembrava direito da história. Foi preciso explicar-lhe do que se tratava. E que havia uma citação dela e da irmã no livro de Costa Couto. Só depois disso, confirmou que havia feito a lista. Ela é formada em Relações públicas, e a irmã, Marcela, é fisioterapeuta. Em 2000, Monique não era mais universitária, pois se formou em 1997. Hoje, na empresa Mercaddo, trabalha com Marketing e Endomarketing.

Brincadeira - Ela explicou que a idéia surgiu de uma brincadeira que ela e a irmã começaram a fazer para entender o que as pessoas de fora não entendiam direito. “Sabe quando você vai explicar seu endereço para alguém de outra cidade e, depois que passa, a pessoa ainda te pergunta qual é a rua e a quadra? Daí começamos a elucidar o que mais em Brasília confundia as pessoas de fora”.

A brincadeira acabou se transformando em um trecho do livro que teve sua edição revista e ampliada em 2010. As respostas apontadas no livro dizem que “alguém é brasiliense da gema se”:

  1. Conhece a profecia de Dom Bosco;
  2. Pelo menos metade da família é de funcionários públicos;       
  3. Fica irritado quando alguém de fora pergunta se já viu o presidente da república;
  4.  Conhece os ministros, senadores e deputados como “o pai de fulaninho”;
  5. Quando vai à outra cidade, sente falta do verde e não entende por que fizeram ruas tão estreitas, com tanta esquina e cruzamento
  6. Sente-se confortável com umidade relativa do ar de 12% e dorme três meses do ano com uma toalha molhada umidificador ou bacia d’água no quarto, o corpo lambuzado de cremes e manteiga de cacau
  7. Ouve dizer “é bem pertinho” e pensa tranquilamente em cinqüenta quilômetros;
  8. Acha que em todo lugar tem árvores com tronco torto;
  9. Sente-se à vontade com endereços em coordenadas cartesianas;
  10. Acha comum pessoas morarem em quadras e sabe do que estão falando quando perguntam: “Você conhece alguém do I da SQS 112?”;
  11. Todo final de semana tem churrasco e todo churrasco tem vinagrete, salada de batatas e pão com alho;
  12. Acha que a natureza só cumpre um dever ao expor todos os dias um por do sol cinematográfico;
  13. Reclama: “Não tem nada pra fazer nessa cidade”, mas fica furioso quando alguém de fora diz isso;
  14. Já foi mil vezes convidado para passar um final de semana na chapada dos veadeiros;
  15. Sabe que a tesourinha da cidade não corta nada e que o balão não tem ar;
  16. Acha que casa em forma de pirâmide é normal e que toda casa tem piscina.
Poder - Um conceito comum à lista de Ronaldo e à crônica “Modos Brasilienses de Ser”, publicada em 2004 por Conceição Freitas, é a alusão à proximidade com políticos e pessoas importantes. “Se for de classe média pra cima”, ser brasiliense “é se sentir um pouco perto do poder só porque conhece a prima da irmã do chefe de gabinete do ministério não sei das quantas”.

Com o passar do tempo e as mudanças históricas, políticas e econômicas, itens foram acrescentados e retirados. Dois dos novos itens são “você conhece pelo menos cinco pessoas que fazem Direito” e “a maioria de seus amigos está estudando para concursos públicos” e “odeia quando alguém de fora pergunta – e o mensalão, hein?”.

Além disso, ainda há aqueles itens que zombam, de forma carinhosa, da cidade, como: “você morre de rir, ou de raiva, quando alguém diz, em véspera de feriado – o último que sair da cidade, apaga a luz”, “você vê alguém fazer barbeiragem no trânsito e diz – só pode ser goiano" e “ao dirigir você fica meio paranóico com os limites de velocidade”.

Seca - Outros itens falam do clima: “quando começam as chuvas você escuta – esse ano vai chover como nunca; e quando param as chuvas você escuta –  esse ano a seca vai ser braba" ou “você vê o dia começar friozinho, acha perfeitamente normal que às onze esteja fazendo um puta calor, à tarde toda esteja um calor de rachar e seco, à noite frio novamente ou até mesmo desabando um temporal, isto além de a chuva ter iniciado e parado cinco vezes durante o dia ou a tarde”.

Características lingüísticas também aparecem: “acha normal misturar, oxi, oxente e uai na mesma frase”, “sabe que quando alguém termina a frase com ‘véi’, a pessoa não se refere a sua idade”, “chama os amigos dos seus pais e os pais de seus amigos de ‘tio’ e ‘tia’” ou “você diz "Vou ao Shopping" sabendo que isso só pode significar ir ao Park Shopping, senão diria ‘vou ao Pátio’".

Assim, entre cortejos ao lindo pôr-do-sol, o céu e o verde da cidade, piadinhas sobre a falta do que fazer nos finais de semana e feriados,  definições sobre o modo de falar, as crônicas vão ensinando quem é brasiliense de fato, mostrando  que Brasília é  mais que o Congresso Nacional, e que o povo brasiliense também tem sua identidade, seu sotaque e sua cultura.

Ceilândia - A fórmula funcionou tão bem que os professores começaram a usá-la. Este ano, alunos da Ceilândia seguiram esse caminha para elaborar sua lista:

“Morar em Ceilândia é...
Acordar de madrugada, umas 4:00h da matina para pegar o  coletivo, e quando sair de casa, se deparar com um senhor de 55 anos, sem uma perna, fumando um cachimbo da paz em frente ao seu portão.
É entrar num coletivo “lata de sardinha” e se deparar com um amigo seu que fica horas falando de futebol.
É sair de casa numa tempestade e o seu vizinho idiota perguntar:
–  Vai sair nesta chuva?
E você responde:
 -- Não,vou sair na próxima!
É chegar em casa encharcado e sua mulher  perguntar:
-- Tomou banho?
E você responder:
-- Não, dei um mergulho no vaso sanitário!
É ir na banca de jornais, e o jornaleiro perguntar:
-- Vai um jornalzinho aí?
E novamente uma resposta:
-- Não, vim comprar um ventilador!
E, ao pegar o jornal, se deparar com a foto de um careca, isto é, o governador,  do lado da foto uma palavrinha dizendo que ele continua preso.
É você chegar no trabalho e o seu chefe perguntar:
 – Você está atrasado, sabia?
E você falar:
-- Não, são 11:00h!
-- Não, são 11:01h!
É te dá uma escova de dente e um balde de água suja para você limpar os banheiros masculinos.
É pegar um ônibus para Ceilândia Centro e, no caminho, ser assaltado por um cara que tira sua cueca sem tirar suas calças.
É colocar uma sacola nos pés, nos dias de chuva, para evitar que seu chulé se afogue, etc, etc, etc.”

Compare as listas:

Por André de Castro e Estela Monteiro


Publicado 21/04/2010 as 21:47h em http://www.opn.ucb.br

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